7 de janeiro de 2010

O vento

Atravessou o parque namorando o vento, que lhe devolvia em caricias cenas de um tempo ausente. Tal era sua dúvida, que tudo lhe era saudoso.
Ora soprando, ora zunindo, ora bufando, ele bem conhecia aquelas curvas e chamegos, e assim com essa leveza, uma felicidade perdida lhe invadia, como se emprestasse do passado algo de valor.
Na Grande Avenida buzinas lhe resgataram, de um transe ao outro mirou o cartaz gigante sobre o prédio por alguns minutos: “JOVENS, VOLTEM PARA SUAS ALDEIAS”.
O peso de ser alguém... adorava este fardo.
Como amigo da sorte, assim se proclamava, sempre esteve à altura do que viesse, regando cada sentimento terno com doses de certeza: pra amizade pavimentou via só de vinda, escreveu bobagens no muro da saudade, pro amor tanto se fez maior que este fugiu com o orgulho. Frivolidades, dizia. O valor estava no trabalho e principalmente do que dele advém.
Então por que a cidade parecia agora tão fria?
Amigos e colegas continuavam-no rodeando, palavra sua era escutada, assumir a conta do bar era sua mais praticada benevolência, as garotas, mesmo não como antes, ainda identificavam seu charme canastra. Carro, conta, cartão, uma vida conquistada.
Então o que era aquele vazio?
De tudo que construiu com base tão firme e seca, fragmentos do "ser" se vêem pelas rachaduras na estrutura, enquanto os mármores do "estar" brilham por toda construção, motivando os que ali visitam a invejarem tal projeto.
Levantando folhas e ciscos de uma alegria remota, o vento vai pelo caminho sussurrando-lhe, quase um amigo, ah, o vento de sua terra!
Tudo o que lhe sobrara.

Um comentário:

Unknown disse...

Estreando já com um comentário...eis que adentro no universo "bloguístico" e de cara com "o vento", indentifico-me com reflexões sobre a minha terra nativa, a minha terra emprestada e as futuras pousadas.
Ainda não conquistei tudo o que almejo, o que pretendo realizar como humana, até porque confirmo a cada passo de vida, que a natureza se desemboca com o despertar dos tempos e, assim como no deslocamento de seu elemento ar, ora se torna pesado, ora leve (seria o peso de ser alguém?). E mais, alguém que sabe da mudança como condição de vida.
Bom, deixo agora o blog do amigo, pois o vento me trouxe desejos saudosos de voltar pra casa. Porém, será que devemos continuar a dizer que isto é tudo o que restara?

Rafa.