13 de julho de 2010

Barulho

Muito barulho por nada
soa a buzina
a mulher gritando na fachada
faz quizomba a namorada
o estudante protestando de all-star vermelho
é um ser a meio
entre o lar-sustento
e a resignação de um futuro emprego
soa o apito da fábrica
o feirante apregoando:
"mulher bonita que compra, leva obrigado de graça"
assim em meio à praça
brada o crente
a criança faz pirraça
o cachorro encerrado ladra
o ladrão, por profissão, cala
o barulho nao lhe paga
a polícia sirena e bate
a ambulância pede passagem
o poeta quieto, arde
o que não tem, invade
querer e ter
os verbos do poder
e quem pode pode
quem não pode
que exploda
que barulho!!!
inventaram a criança bomba.

13 de março de 2010

O sol, o rio, a lua e as lobas

De um lado sol, do outro lua
Abaixo o Prata
Que é marrom
As extremidades de sua imensa largura
De um lado recebe o sol
De outro vê subir a lua, prateando o Prata

Com sua cara ancha
Vai atravessando o céu e a noite
A mãe das marés e de outras águas:
Uivam lobas a dádiva de luz
No convés há uma
Vive no lado em que vai se pondo o astro-deus

Portenha matilha
Porém esta lobinha às vezes se faz gata
E no telhado de minha alma
Mia ganas de amar
E me ama
por ruas, árvores, cozinhas, ônibus,
países, ascensores e camas maternais.


P Jess

29 de janeiro de 2010

Noite

Os sons da noite, mas principalmente os silêncios, já não metem medo. Está por si na vida, pensa, ainda que tantos o rodeiem e lhe estendam por vezes camas ou alfinetes.

Nem tudo é questão de escolha, a lua que logo menos aparecerá cheiando, como o umbigo miraculoso da deusa Nut, por trás das fantasmas nuvens carregadas do espectro da vida, de eletricidade-alma, surgirá inundando o vale e a cidade que dorme, sem escolher ser lua, muito menos cheia, muito menos musa.

14 de janeiro de 2010

Culinária

Eduardo Galeano, escritor e amante dessas nossas américas tao malamadas, me ensinou que alma e estômago sao duas palavras que descrevem a mesma coisa.
E que universo, sao nossas entranhas!
Um beijo salgado pela mar pode ser doce, se na areia estiverem um casal apaixonado e uma imensa vontade de temperar a vida. Tudo o que se pode chamar ARTE exige tal intensidade. Mas tal culinária exige ainda conhecer os muitos e distintos temperos, as quantidades e as misturas corretas, para nao ferir o paladar ou tornar insosso o prato.
Eis a arte.
Quantos esboços amassou Picasso, ou Drummond?
Só nao podemos acusá-los de usar tempero velho ou alheio quando se metiam em suas cozinhas, quando criavam...


Jess
besos salados...

7 de janeiro de 2010

O vento

Atravessou o parque namorando o vento, que lhe devolvia em caricias cenas de um tempo ausente. Tal era sua dúvida, que tudo lhe era saudoso.
Ora soprando, ora zunindo, ora bufando, ele bem conhecia aquelas curvas e chamegos, e assim com essa leveza, uma felicidade perdida lhe invadia, como se emprestasse do passado algo de valor.
Na Grande Avenida buzinas lhe resgataram, de um transe ao outro mirou o cartaz gigante sobre o prédio por alguns minutos: “JOVENS, VOLTEM PARA SUAS ALDEIAS”.
O peso de ser alguém... adorava este fardo.
Como amigo da sorte, assim se proclamava, sempre esteve à altura do que viesse, regando cada sentimento terno com doses de certeza: pra amizade pavimentou via só de vinda, escreveu bobagens no muro da saudade, pro amor tanto se fez maior que este fugiu com o orgulho. Frivolidades, dizia. O valor estava no trabalho e principalmente do que dele advém.
Então por que a cidade parecia agora tão fria?
Amigos e colegas continuavam-no rodeando, palavra sua era escutada, assumir a conta do bar era sua mais praticada benevolência, as garotas, mesmo não como antes, ainda identificavam seu charme canastra. Carro, conta, cartão, uma vida conquistada.
Então o que era aquele vazio?
De tudo que construiu com base tão firme e seca, fragmentos do "ser" se vêem pelas rachaduras na estrutura, enquanto os mármores do "estar" brilham por toda construção, motivando os que ali visitam a invejarem tal projeto.
Levantando folhas e ciscos de uma alegria remota, o vento vai pelo caminho sussurrando-lhe, quase um amigo, ah, o vento de sua terra!
Tudo o que lhe sobrara.

Ultimo poema

A vida não julga
Ser errante
Ignorante
Importante

Pra ela somos pulga
Nada é bastante
Nem chocante
Nem seu último instante

Eu, Pedro e Chico

Eu acordava
Pedro esperava o trem

Eu me arrumava
Ia defender o meu vintém

Pedro a loteria namorava
Sem descuidar do trem

Eu nem calculava
Tudo andava bem

Pedro esperava
O sol, o carnaval, um filho
(pra esperar também)

Eu descobria Chico
E a vida que me esperava
Embarcou no fito, bendito, infinito do apito do trem

Num fio

Mais poesia que um pente com cabelos louros
Companheiros agora de negros, ainda poucos
Pelo chão há outros
Pelo lençol amarrotado de dias também
Um fio dentre milhares prendeu ali
Perfumes brotam de cantos tocados
A chuva lá fora ajuda o poeta

Um esbalde e ainda assim e por isso mesmo
Tanto faz se é terça ou sexta
Um vício é um vício

Virtuosos andam num fio

Previsões vocabulares

E a palavra
artista
desgastada sem descanso
via cabo e fama
servindo a qualquer canto
e palavra e ato e passo e pincel bememal intencionado
num desato
num sempasso
pejorativa torna
o artista.

Na estação

Na estação espero o trem
Espero a vida
No pontilhão passa gente
Passa ônibus, passa moto
Passa a pressa
Só não passa ela
Nem a pé
Nem passageira, nem carona
Vem no trem? Não sei

Na estação espero o fim do dia
Que apenas começou sonâmbulo
Guias, DARFs, emolumentos, 2ª via
Chega o trem!

No trem vejo a comitiva
O gado... manso... ordenado
O berrante na campainha
E a voz do ponteiro e único vaqueiro
“Estação Quitaúna

O poeto

O poeto é algo novo
Produto do ego

Substantivo nada abstrato
Faz do seu substrato
(a poesia?)
Escada para inflar suas manias

O poeto do comum tem alergia
O estilo mais importa que o vento
Sinal dos tempos
Sempre rebuscando o dia a dia

Sendo então a poesia desprezível
A torna inteligível
E se ignorasse o significado do novo termo
Diria com olhar plácido e afetado
Não sou poeta
Sou poeto

Ela

Ela, aquela que sonha ele, seu cravejado e mais brilhante amuleto, à qual quer pra si não por solidão, não uma social convenção, sim uma dança esquecida, um bailado eternal pela noite com a leveza de musas encantadas por álcool e haxixe, se desfazer das bagagens em nome dum presente urgente pulsante, mas, mãos e dedos não se entendem e ela passa mais uma vez gracejante por entre vãos de sua utopia.

Dionísio, Afrodite e o Cansaço

Algo próximo de 8 cervejas
Algo como encarar a morte e desmedar
Algo próximo à nuca dela


Algo que chamariam supervida
Mas é vida
O super, é o cansaço da vida.

O palerma

O palerma ligou o rádio exatamente no horário. O mestre, espertalhão e médium iniciava seu gingado pela FM Mundial atento ao dinheiro alheio, colocando minerais no terceiro olho das pessoas e evocando santos católicos para livra-los de todo desespero, um Heik proclamado espiritual. O ex pai de santo é direto, instituto "A Luz", sua empresa, produtos fitoterápicos e curas milagrosas estão no catálogo.
Uma assistente relutante narra dados estatísticos sobre câncer, o ovo da morte, liguem, bálsamos amazônicos entregues em casa por consultoras de saúde Heik, harmonizadoras de ambiente lhe explicarão seus efeitos na potencia e fertilidade e tudo o que delas advém, vinte minutos na FM Mundial, voz da vida azul e rosa do charlatesoterismo.
Pode o palerma desligar o aparelho e se concentrar no seu livro (o mais vendido), podem ir jantar felizes os terapeutas e oradores do Instituto, mês que vem dará com certeza para dar entrada naquela casa na praia.

O garimpeiro de papoulas

Seus pensamentos passavam como nuvens por um avião à cinco mil pés... um longo dia de trabalho.
A selvagem trilha sonora povoaria de imagens sua cabeça se compreendesse o quão vital é se jogar!, veria infantarias de abelhas à castigar o inimigo, o bailado de mosquitos a torturar suas presas, paisagens oníricas a ligar-nos a outros mundos, o mais próprio e íntimo à natureza, um lindo sonho que se vai e se esquece... a se conhecesse Heitor Villa-Lobos... Ligou a TV.
Pegou sua parte, pegou um avião, e foi pro outro lado do mundo, cansado da feiúra, cansado de todos, cansado de si, garimpar meio quilo de papoulas.
Mas papoula não se garimpa, é coisa pra cultivo e apreciação, Diz o Velho.
Ele cala.
Foi antes que lhe sugassem a alma, cansado de si. Avisou a quem convinha à mãe, cedendo a um ultimo capricho. Ouviu um blues que vinha do vizinho, um ensaio, e disse a si, Que lucro!!! Embarcou no dia seguinte deixando como ultimo mistério suas mãos e um beijo gelados.

O homem

Cortante
A solidão do Homem
Se ele soubesse
Homem ou mulher
Mas é um homem
Aquele
Cortado
Em sangue
Se ele soubesse

Ali
Sentado rodeado aplaudido
E só
Um só que é pó
Um pó que é nó
Um nó que é cego
Um cego sentado cortado aplaudido

Ele sabe
Mas é cego
Pior
Se faz de cego

Ali
Ele se levanta
Em pé rodeado aplaudido
Se fazendo cego
Rodopia dança
Ele sabe

Só ele sabe
Ele

6 de janeiro de 2010

Vrrunmm

Alimenta as máquinas assobiando tônicas de um sonho rarefeito em etanóis e octanos de uma sinfonia que é agora literalmente química, um passarinho que cantava.
Degredado da mata, agora pia para a boa manutenção do aconchego que construiu.
Toda desatenção na Cidade do Peixe Amarelo encheria os tanques das lindas máquinas que passam altivas, brilhantes, surdas, e por isso mesmo barulhentas, a produzir a música do acasalamento, uma levada que olho algum não vire e leve consigo o pescoço, e nos mais cativados, até mesmo o tronco.
OHH!! (basbacados dizem) Isso é que é melodia...

O curso do rio

Ofuscado pelo desespero do chegar lá...
E cercado de toda circunstância
A alma atrofiando
Constante ânsia
De algum lugar.

Despertador é o despertado
Numa mutação originado
Por nunca ser perguntado
Por que assim?

E segue a vida como o rio
O rio pra foz
A vida pra morte.

Propriedade privada

Vou me espalhando pela vida como dono, senhor da propriedade privada do mundo.
É elevante ser poeira de estrelas, descender da matéria inicial, ou ser filho do incesto bíblico. Seria elevante conhecer a história.
A predição de Orwell se cumpre e a história vira jornal pra se cobrir do frio, enrolar o peixe ou limpar a bunda.
Não há outro caminho, me espalho pela vida como dono, o que me foi dado, foi dado sem reservas, sem juros, sem longas prestações para a felicidade, e ainda assim, sobrou pra todos.
Pegaram os espertos grandes partes. Eu escolho o todo.
Que há também quem queira as migalhas, e são muitos, e não param de se multiplicar, não param de amar migalhas anunciadas em sacados reclames, a nova do momento, simplesmente não param para nada.
Como comida de astronauta, as tarefas alimentam suas ânsias, lhes põem pra dormir em sono leve, vigilantes, (se) até acordarem num salto-espanto, com uma fome de alma.

A escolha

Dois melados pra fechar a noite de segunda. Um telefonema da namorada repentina liberou tal possibilidade, alterou sua mente e foi olhar fotos: pensou nela e não achou repouso, fez um esforço e conseguiu com isto vislumbrar belos seios, era certo que estavam da cor da praia, ela numa saia, um fim de ano como se deve, uma expectativa pra levar à Iemanjá num batuque da terra, repousar com a idéia da voz dela e com uma simples segunda feira, quente, perfeita para o preguiçoso se esticar para pegar o copo, perfeita para arrumar emprego (aaaii), repousar no fato de estar vivo e no comando.
Que pensava ela ?
O telefonema se espalha no ar, dela e de seu olhar surgem distancias que ele não decifra, seu amor colocado nas ações mais corriqueiras da mulher, sua utopia de mundo, vê graça em tudo, vê o deserto de sua máquina de água e assim, ela é rainha de seu árabe reino, com totais poderes para fazer e ser.
Ser amigo da dúvida e da certeza não é só pra realeza, escolher ser falso, louco, escolher se submisso ou dono, escolheu ser déspota, de costumes mouros.

Verbete

Filoginia (s.f.).: amor às mulheres; inclinação para as mulheres; mel, uvas e um dia de chuva... (Antônimo: misógino)



Já tinha nome pra isso, a velha mania dos vocábulos.
Codificado o sentimento, torna-o nobre? O fato de ser o vocábulo o nome da coisa, torna-o verdadeiro?
Estudar o termo pelo seu avesso, isso pouco tem feito os homens. Podemos nos encher de aforismos, podemos mesmo ultrapassar o gênio, podemos versar até dormir; a simples idéia do mundo pelo seu avesso causa ânsias, a idéia de um dia sonolento após a insônia, dispensar os seguranças da mente, salas inexploradas surgindo no corredor convidando ao uso, estar do outro lado e não querer aqui nem lá, não sucumbir, ter paciência, não ter paciência, ansiar e ansiar, e ansiar, macacos de laboratório ávidos pelo próximo truque, senhoritas macabras, a ironia do infindável, quantificar e qualificar, os maiores tesões do homem, tudo já tem nome?
Como se livrar do cartesiano sem percebê-lo?

Palavras vistas por outros ângulos, vidas que se guiam, contestações a si: quem desses derrotariam os fragmentadores, recortadores do dia e de tudo?
Jogar no bicho no gato e no cachorro, eis a saída do bom malandro.
O desenvolver econômico, o se dar bem na vida, justificando a alma recortada e alinhada no varal das ilusões e das tendenciosas e maliciosas verdades reconfortantes; a evolução pelo seu lado mais humano, manuais, guias, apresentadores, dicionários, famosos, cantores e patrões, para nos dar tudo.

A moça sentada

A moça sentada
E paisagem alguma.
Nem em sonho sonha Berna!
Nasceu ali.

Tem a beleza cacheada
Própria da raça.
Tem a beleza surrada
Própria dali.

O mestre e o aprendiz

O alto do arranha-céu
Engenhariavidrometal
Derruba o queixo do aprendiz do Capital:

Pra’qui de cima
Tudo é normal
Principalmente não ver o outro lado do canal

Aqui em cima
Pega bem o que é formal
E é desejável (pro seu bem) não ser muito intelectual

Aqui em cima
O que vale é o que tá na revista
(E por favor) se concentre na estatística

O que fazemos aqui em cima?
(Tarefa simples) substituír início e meio
Pelo resultado

Pra isso serás bem recompensado
E finalmente alinhado
Terá a vista aqui de cima

E do alto do arranha-céu (embasbacado)
Brilha o olho do aprendiz do Capital
Olha e já não vê o outro lado do canal

Água

Em dias nesgos me ronda a poesia
Abjeta
Necessária como água

Desnecessário é o cinza e branco deste dia
Desnecessário é tudo neste dia
Mesmo em filas de burocracia
Abjeta
Necessária como água
Me ronda a poesia

Não por ser segunda é tão vago este dia
Nem por isso se me ausenta a alegria
Não que esteja triste
É que de tão nesgo
Desnecessário é o sentimento neste dia

5 de janeiro de 2010

O marlin

Hedonia, país dos mares sensuais.
De frescas uvas após o deleite de emprestar à uma bruxinha devassa língua e dedos para invocar sua mais bela magia, onda formada pelo vento brando, invoca um orgasmo.
Dos vales formados por pernas como essas se extraem tesouros, legendário país, é povoado pela mais rica utopia que gregos e romanos ensaiaram.

Os mares de Hedonia rasga o peixe mais desejado, com seu azul-sonho, baila com suave destreza um Marlin, peixe de luta, beleza que leva o caçador a alto-mar, à toda incerteza azul e cinza, fazer do destino melhor amigo e do que virá, algo à altura.
Ela é um Marlin, bem sabe ele... E desse medo surge sua nobreza, não é mais o desafio, o marerrante anseia porto... dali, em alto-mar, surge a vontade, seu astrolábio arábico, seu cruzeiro-do-sul, a escolha foi feita, inflar velas...

1 de janeiro de 2010

Evolução

Constroem-se cômodos onde der. O país não chegou à periferia de Formigueiro, as discussões em torno e dentro das comissões parlamentares de inquérito soam como a pataquada das 8h, relax do senhor e da senhora cansada, educadora da familia feliz, e de outras tantas.
Funciona assim:
A saúde adotou o velho sistema de Henry Ford, vários prédios já estão em reforma para que a linha de montagem passe sem ruídos.
A escola foi mais simples, adotou o ralador de carne, com afiação especial pra carne mais barata.
A seleção natural se encarrega da qualidade de vida, você, a policia, o bandido, o padeiro, a dona de casa, o moleque, o mais capaz, colabora com Darwin.

O besouro manco

Joguei – o mais uma vez para a cozinha; essa chinelada já era a décima, sei lá..., ele voltava, naquele arrastado de besouro manco, nem sempre pelo caminho mais curto, mas voltava.
Era marrom na cabeça e preto no corpo, desbotado, feio, arrastando a carapaça baça em voltas estúpidas mas fatais, meu quarto.
Mais um arremesso.
Espreito o vão entre porta fechada e chão, nada, aguardo.
Ele de novo, vão a dentro em voltas estúpidas certeiramente no alvo.
Mancava. Ou é assim que andam os besouros? Dava voltas com a mesma paciência dos ponteiros, avançando estupidamente em direção ao meu quarto, eu à madrugada.
Pela manhã sonâmbulo deparei com ele no banheiro de barriga para cima como num banho de banheira. Morto? Estava imóvel. Dei – lhe uns petelecos, e só quando o coloquei sobre suas pernas que se mexeu mancando em voltas estúpidas pelo box.
Deixei – o, estava atrasado. A fabrica apitava lembrando-me de minhas voltas.