11 de dezembro de 2008

A procura

Formigueiro é foda, ele dizia.
Mas você acaba se acostumando, se arranjando, de repente está pedindo chopp com sotaque e adorando a diversidade da metrópole. O multiterminal de transportes dava uma boa idéia do estranho nome da cidade. Esperava-a.
Ela poderia ser. Ela poderia ser diversas coisas. Sabia tudo e não precisava de nada!
A constante ausência pegou-o pelos pés e lhe mostrou socorro... ela? Mesmo empenhado em saber do nada e do tudo, sucumbiu. Pediu perdão ao ar, naquele instante era quem podia sentir, e empenhado, como sempre, exilou-se em seu canto e maquinou, maquinou e maquinou, ao cabo estava trêmulo e frio.
Por aqueles dias muito foi relembrado, a cachorra Preta, o recorrente pesadelo com o diabo, e aquele sentimento intenso, um parar no ar, a iminência.
Esteve tanto tempo alerta que não viu pularem seu muro.
Ela trocou seu nome ao telefone, foi rápida, cantarolou, deu um prazo, e ele deu esperanças a si mesmo. Por fim deste relâmpago estava novamente sozinho com seu sorriso amarelo.
Voltou àquele bar. Sem ela. E era outro bar.
E os dias são a solução pra tudo, e a paciência algo incompreensível, que pouco depois se perdia e se achava nos seus labirintos, fugia da loucura isolando-a num dos porões de sua casa, com trancas de papel desenhadas ao modo do aprendido no prezinho. Sentia-se velho, principalmente quando se pegava pensando em tudo que estava perdendo, em tudo que relutava em fazer por si.
E não pensava mais nela, nem quando a viu e ela fingiu e ele fingiu e todos ao redor fingiram e pediu mais uma cerveja, elogiou a garçonete e fechou a noite comendo lanche sozinho na praça central da Cidade do Peixe Amarelo.
As garotas passavam na rua, não sabia o que fazer... fez cancoes, que não cantou pra ninguem.
Bolou estratégias mercadológicas, era seu ofício, mas de preguiça acordava tarde. Gastou o que não tinha, comprou cds que não ouviu, passou mal na festa das mulheres feias, tudo pra matar o tempo.
A física fala de inércia, a medicina de letargia, ele falava de tédio.
Aquela atriz dos palcos da vida lhe encenou alguns números, sua beleza lunar o atraía, principalmente os olhos, doidos para iludir e cativar sua presa, retornou seu telefonema, ela já não morava lá.
Levou o ceticismo a um campo imaculado até então, e seus amigos se mostraram poucos e pouco atenciosos.
Ela era o seu único satélite natural, não a de nenhum telefonema, de nenhuma música, de nenhuma rua, ela não estava em nenhum jornal, em nenhuma recepção, ela o orbitava na sua metafísica, algo de que caçoava, e que era agora seu principal algoz.
A libido o comandava, os sentimentos o confundiam, a razão passava-lhe o rodo sempre que podia.
Detestava Formigueiro novamente.

6 de dezembro de 2008

o bem estar e outras cores

Falo de uma pequena cidade, ótima pruma boa preguiça, boa brisa, muitos tons de verde, uma pintura por poente. Suas vias caprichosas sempre convidando ao passeio, tanto melhor se for a pé, na marcha que captura os detalhes, um andar que vem pela outra calçada, cheiros, um canto de memória num canto de quintal, passos que formam o passeio e juntos formam aquela paz, como se os deveres estivessem todos cumpridos, um pequeno lugar, que disso faz sua melhor dádiva.

Algum célebre disse que “se conhecermos nosso vilarejo saberemos do mundo”! ou algo assim; sei que o bem-estar não faz parte de todos os lugares, diria privilégio, já que chega a tão poucos destinos. Sendo assim, os lugares e suas mentalidades são diferentes.

Talvez queria ele dizer das coisas que são universais e humanas, como a preguiça (pelo menos eu gostaria que fosse), o medo da morte, ou a hipocrisia.

Pensando bem, nessas nossas vidas citadinas, quantas pequenas hipocrisias não praticamos em favor duma convivência ou duma vantagem vislumbrada, ou ainda para salvar o próprio couro, ou ainda ao não discutirmos questões diretamente ligadas, como o consumo de crack e o aumento de furtos e roubos, excesso de TV e outras telas e tédio mental, modas e consumismo, políticos e nossos bolsos e principalmente nosso direito de posse da cidade. Pensando bem, e o orçamento participativo?

Assim andando, me pego no meio de uma praça entre graves palmeiras, mais velhas que as memórias mais antigas dos senhores, alguns de chapéu, que jogam cacheta e discutem política nos bancos ao lado da fonte, me pego pensando questões tão cinzas em terreno tão colorido, bem-estar e hipocrisia, um colorido um cinza.

E a sinceridade, que cor teria? Seria branca, desapegada de todas as outras cores?

Não sei, sei que as cores dizem muito e são sinceras, mostram no ato num vermelho de raiva ou num verde de calma, num esnobe cinza e prata, num orgulhoso dourado, no preto sua rebeldia ou gala, assim convivendo coloridos e cinzas pintando à óleo este lugar.

Estou agora com os pés na água, até os joelhos dentro do rio, verde este, espelhado de tão calmo pois o ar também está, e eu também estou, estou até azul de fome, fome de um abraço apertado e assim sincero, como esta tarde.

benvindo `a Peixe Amarelo

Na Cidade do Peixe Amarelo
Não pega bem gravata
Cheira a embuste
Entortar o ‘r’ pega bem
Ser católico também
Festejar ilustres
Parcelar bravatas
Ainda assim não escapar ao belo

Na Cidade do Peixe Amarelo
Vive a feliz e a ingrata
Uma dá riso a outra chute
Cada uma quer o bem
Só uma sabe que só querendo não se tem
Se preciso rude
Não temer as próprias traças
Gozar a vida sem a culpa dos modestos

Na Cidade do Peixe Amarelo
A natureza em cascata
Lindas Iaras nutrem
Seus lindos seios num vai e vem
Umas querendo outras também
Um noivo impune
Merecer e ser tratada
Ter da vida seu sucesso

Na Cidade do Peixe Amarelo
Rio e vida pela madrugada
Muitos brindes à saúde
Agarrar cada vintém
Fazer de si o que se tem
Em salvas à virtude
Sete caixas de cachaça
E sorrisos de rastelo

Na Cidade do Peixe Amarelo
Sonho e vida entrelaçada
Namorar a juventude
Dar pancada no desdém
Esquecer o que não vem
Braço dado à quietude
Ter–se dono em cada praça
Ser feliz que só um ébrio

usura

gosto
quando
gasto

mergulho

Cortando o vale Existência
Corre um rio de nome Essência
Pedras há
Das quais uns tantos se atrevem a pular...

Sua mineral certeza
Acusa com agudeza
Do fraco os pés
Que ali pisaram
E retornaram

Não que seja assim tão bravo o rio
Nem tão alta a pedra
Muitos são os horizontes

Vertigina
Rompe
Cala

E os pés já voltados
Contradizem o acovardado:

"Que paisagem! ! !
mas a água deve estar gelada...

uma musa chamada futuro

O futuro, essa abstração que calculo e traço, e busco com dedos esticados essa luminosa dança, cheia pança do devir, do lá, do algum dia, de pelos brancos, que me enlaça em tal valsa que me largo do presente, esse crente do real.

E vou com ela ao abstrato, rodopiando mansa, ver sua virtual bonança, do será, do pode ser, de dentes soltos, que me lança em tal ânsia, que me quero ver presente, consciente, tal e qual.

analogias

em virtude das analogias
me perdoem as exceções e as regras
mas poesia sem rima

é mulher sem charme
é comer sem tempero
é futebol sem ginga

4 de dezembro de 2008

Matar o Tempo

Lá fora o dia torrando; encosta o tempo à minha janela, banzo cão, que fazer?
Ora, vá atormentar alguém por ai!!
E quando olho já se foi meu entediado amigo.
Outro dia confessou – me uma de suas predições, um segredo industrial.
Disse que em pouco as pessoas receberão dados via satélite diretamente no lobo frontal, em alta velocidade, através de um implante muito simples, porém revolucionário. Os seres acessarão qualquer banco de dados do mundo apenas com o pensamento, se tornará rara a locomoção.
A tecnologia, diva desses dias, dará sua silícica mão à preguiça, e os portadores de tal implante poderão se relacionar, pensar o tato, memórias, o olfato, o prazer, intuições, alegrias, instintos desconhecidos, tudo!!!, graças a avançados cálculos lógicos, sem sair da poltrona.
Nesse dia eu morrerei, lamuria meu amigo.

26 de novembro de 2008

Prólogo

Mergulhou...
Nesse imemorial abraço, nesse aconchego uterino,
não sabia realmente se era Iemanjá.
Puxou, foi mais fundo...
a paz daquele liquisilêncio
abolia toda incerteza,
deixava-a livre para se transformar a seu prazer.
E ali no fundo um riso
escapou...

e acreditava em tudo.


à Lais
sereia dessas águas